segunda-feira, 26 de março de 2012

Interior paraense recebeu muitos libaneses

ESPALHADOS
Que a cultura paraense é formada por aglutinação de povos, não resta dúvida. E o Orgulho de Ser do Pará tem trazido um pouco da história de cada um deles. Os libaneses formam uma importante leva de imigrantes que contribuíram para a formação da sociedade papa-chibé, ao lado de portugueses, espanhóis, italianos e japoneses, entre outros.

Os libaneses chegaram ao Pará na metade do século XIX, atraídos pelo ciclo da borracha. Além de Belém, eles se deslocaram para os municípios de Cametá, Marabá, Altamira, Breves, Prainha, Monte Alegre, Alenquer, Santarém, Óbidos, Soure, Maracanã e Abaetutuba, entre outros. O Dieese estima que hoje vivem no Pará aproximadamente 200 mil descendentes de libaneses.
A obra “Raízes Libanesas no Pará”, do libanês Assaad Zaidan, que mora há 40 anos no estado, revela não haver município paraense sem a presença desses descendentes  que recomeçaram a vida na Amazônia. O Pará abriga a quinta maior comunidade libanesa no Brasil, atrás de São Paulo, Minas Gerais, Foz do Iguaçu e Rio de Janeiro.
AVENTURA

O libanês Douraid Said saiu da cidade de Salima, região de El-Maten, no Líbano, e enfrentou uma viagem de trinta dias de navio para chegar em Santos, São Paulo, em 1958. Aos 27 anos, desembarcou ao lado da esposa Jamile, mineira filha de libaneses, com quem se casou ainda no Líbano. Em terras paraenses, Douraid chegou pouco tempo depois, primeiro em Marabá. Depois, veio para Belém, onde já tinha parentes estabelecidos.

Como muitos de seus patrícios imigrantes, Douraid Said se aventurou por cidades do interior e arredores da capital como mascate, vendendo principalmente confecções. “Meu pai ía em busca dos círios nos municípios do interior levando malas cheias de mercadorias. Onde chegava armava sua banca para vender”, revela o filho Macran Said, de 40 anos.

Segundo Assaad Zaidan, o comércio continua sendo muito exercido pelos libaneses, desde a chegada dos primeiros imigrantes ao Pará. Os mascates iniciaram essa atividade através da “mímica”, já que faltava domínio da língua portuguesa. Essas práticas ancestrais da cultura libanesa foram transmitidas de geração em geração e adequadas para cada região onde os libaneses chegavam.
>> Veja as fotos desta matéria na fanpage Orgulho do Pará no Facebook

Com o espírito empreendedor, traço marcante do imigrante libanês, Douraid Said teve prósperos resultados dos negócios no interior. Foi assim que conseguiu abrir dois comércios de tecidos em Belém. Um deles foi tradicional no Mercado de Ferro da Boulevard Castilhos França, a Casa Esperança. Esteve à frente de um grande empreendimento imobiliário, o prédio Novo Líbano, localizado na avenida Alcindo Cacela.  Também participou da fundação do conhecido Clube Monte Líbano, hoje sob a presidência do filho caçula, Macran Said. Fundado em 1962 por jovens libaneses, o clube participa de vários atividades da sociedade paraense.

Para o filho Muzaffar Said, 48, o pai é um exemplo de que os libaneses participam da formação da sociedade paraense em vários ramos, como medicina, engenharia, política, comércio, indústria e muitas outras atividades econômicas. “É característico na história do libanês ele sair da sua terra em busca de algo melhor. E onde ele chega, faz algo para crescer, participando ativamente de todos os setores da sociedade que o recebeu”, comenta Muzaffar, orgulhoso de sua ascendência.

Naturalizado brasileiro alguns anos depois de chegar, Douraid tinha grande amor pelo Brasil, mas fazia questão de cultivar alguns hábitos da cultura de origem e repassá-la aos filhos. Todos eles, apesar de brasileiros, falam a língua árabe, pois o pai exigia que o idioma fosse falado dentro de casa. Até hoje, o costume é mantido e repassado aos netos. “A cultura libanesa se fundiu com a paraense. Meu pai era apaixonado pela culinária paraense, e quando ele ia para fora do Brasil tinha orgulho de divulgar as coisas daqui”, lembra o filho Muzzafar. 

Os irmãos Muzaffar e Macran acreditam que os dois povos se identificam e criaram forte ligação pela receptividade, pela alegria e pela simpatia, comuns a ambos. Para eles, o povo paraense recebeu muito bem seus ascendentes.  “O povo libanês sempre se sentiu em casa aqui nessa terra por sua receptividade”, afirma Macran.

Sobre a hipótese de um possível confronto entre as seleções brasileira e a libanesa, se ela existisse, os brasileiros-libaneses confessam que torceriam pelo empate. Eles afirmam que, na Copa do Mundo, o Líbano vira um pedaço do Brasil, enfeitando as casas de verde e amarelo. “Como o libanês não tem seleção de futebol, elegeu a seleção brasileira pra torcer na copa porque se identifica demais com o Brasil”, revela Muzaffar.

Orgulhosos, os irmãos Said elencam vários nomes de descendentes libaneses com importante posição no estado, como o atual governador Simão Jatene e o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Cesar Mattar Junior.  O casamento de mais de 40 anos entre Douraid e Jamile Said, hoje com 74 anos, gerou sete filhos.

Marabá abrigou os primeiros imigrantes do Líbano

A influência libanesa na cultura brasileira é mais lembrada pela culinária. É notável a popularização do quibe, da esfirra, do tabule e da coalhada seca, principalmente com expansão das cadeias de fast-food especializadas nesse ramo. Mas há outros campos em que sua presença é marcante. O trabalho de pesquisa das raízes da imigração libanesa no Pará, reunido no livro Raízes Libanesas no Pará, do libanês Assaad Yoessef Zaidan, descreve a atuação desse povo no comércio, na indústria, na lavoura, nas escolas, nas universidades, nos hospitais, na arte, no jornalismo e na construção civil, entre outros ramos da economia.

Segundo a obra, os primeiros imigrantes libaneses que chegaram ao Pará aportaram na cidade de Marabá, entre os anos de 1890 e 1895, onde participaram ativamente na extração do látex e da construção da cidade. “Os imigrantes libaneses íam para as matas tirar látex, para os garimpos tirar diamantes, para os castanhais colher castanhas, caçando e pescando ao lado do caboclo paraense”, revela Assaad Zaidan em trecho de seu livro.

O livro também destaca a saga de várias famílias libanesas que se aventuram ao imigrarem para o Pará ,conseguiram fincar seus nomes e criar uma forte ligação com o lugar que os recebeu. A maioria delas, 36 famílias, veio da cidade de Beit Chabed, como os Gabriel, Bitar, Cury, Yamim (Emin-Amin), Makssud, Darwich, Mukarzel e Anaisse.

Com espírito aventureiro e curioso por conhecer a Amazônia, o escritor e jornalista Assaad Zaidan chegou no Pará na terceira etapa de imigração libanesa, em 1958. Nascido na cidade de Rweast el Balout, região central do Líbano, veio sozinho, com poucos recursos e sem falar uma palavra em português. Antes de aportar em terras paraenses, passou um tempo em Alagoas, onde diz ter aprendido um pouco da língua portuguesa ouvindo as músicas de Luiz Gonzaga.

Dividido entre o trabalho com representação comercial e a paixão por escrever, começou sua carreira de escritor ainda jovem, produzindo, daqui, crônicas para jornais e revistas árabes. Em 1963, publicou o primeiro livro com relatos da vida de imigrante. Desde então tem se destacado por suas obras, dez no total, em árabe e português, que reforçam os laços existentes entre a cultura libanesa e a brasileira. “Todos os meus livros foram escritos no Pará, esta terra abençoada que tão bem me amparou”, destaca Zaidan, ao confessar que hoje se considera paraense.

Membro da Associação dos Escritores Paraenses, Assaad Zaidan encontrou na literatura local inspiração para escrever em português. Dentre seus autores preferidos estão Raimundo Sobral, Benedito Monteiro e Rui Barata, de quem traduziu algumas poesias e publicou no oriente. “Aqui encontrei a liberdade para pensar e dar vazão à minha atividade literária”, revela o escritor.  

Naturalizado há 40 anos, o paraense-libanês, como ele se auto-intitula, diz ter encontrado no Pará uma terra fértil para sua produção literária e, claro, para formar sua família. Com a paraense Miriam Salgado, com quem está casado há quase 40 anos, Zaidan teve quatro filhos, sendo que apenas uma filha nasceu em São Paulo, mas todos foram criados no Pará. Depois de encaminhar os filhos, agora, aos 78 anos, ele curte os quatro netos. (Diário do Pará)

Nenhum comentário:

Postar um comentário